quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Operária do prazer

Entre insultos e a indiferença dos que a possuem,
Trocando prazer por dinheiro,
Esperando da vida o que ela lhe negara
Submissa à embriagante volúpia masculina
Alvo das taras enrustidas e fantasias machistas
Invadida por estranhos
Devorada sem afeto
Seu nojo reprimindo para o seu sustento garantir
Objeto do gozo alheio,
Sacrificando o próprio gozo
De tantos e de nenhum
Sempre a deparar-se com a solidão dos que nascem apenas pra servir
Margeando a sociedade como se dela não fosse parte
Ignorada depois do prazer como que sendo este seu único valor
Não faz distinção de beleza, humor ou comportamento – encara a todos com a mesma delicadeza de fêmea fornecedora.

Arlindo Cirino

terça-feira, 8 de setembro de 2009

EXPERIÊNCIA COM COREL


Poema vertiginoso

Convivendo dia e noite com a agonia de ser o que não é
Como verme a rastejar, de podres restos se nutriu
Febril e desolado,
Pobre diabo se tornou
Entre a reluzente lucidez e o nebuloso e inquietante delírio
Sempre a trilhar a beira do abismo
A sentir-se culpado pelos erros não cometidos
Ao ostracismo condenado sabe lá por quem...
A pecar sem temor
A violar sem pudor
Na penumbra a tatear, pelo eu perdido a buscar
Em si mesmo retraído,
A sonhar com a imperfeição que o faria perfeito
Ruminando as perdidas chances que o desfrute a sorte lhe negara
Exilado de si mesmo,
De tudo duvidando,
Apostando em qualquer coisa

Arlindo Cirino

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

JOÃO BRANDÃO ADERE AO PUNK


João Brandão, estudioso de fenômenos sociais, modismos e frivolidades, dedica-se no momento à pesquisa do punk. - Ainda não cheguei a nenhuma conclusão - disse-me ele. - Mas suspeito que o punk veio atender à necessidades do país nesta conjuntura. E acrescentou: - Não me refiro, é claro, a modalidade do punk cultivado pelas classes alta e média da zona sul. Este é um punk de espírito e camisetas importados, jaqueta de couro valendo um punhado de dólares. É artigo de importação, que deve figurar na lista de produtos proibidos pelo Delfim. Refiro-me ao outro, o de camiseta adquirida na rua Senhor dos Passos e rasgada. O moço não a rasgou para demonstrar maior identificação com o punk: ela está rasgada porque é velha e muito batida. Em suma, o punk pobre. - Que diferença faz, se esta é uma característica exterior? - perguntei-lhe. - Faz muita diferença, porque o punk dos pobres, suburbano e sofrido, revela no seu despojamento, que para ser punk é necessário enfrentar uma barreira e abrir mão de toda a sociedade de consumo. Ao passo que o leblon é consumista, no esquema clássico. - O João, e todos dois não estão inseridos nessa tal sociedade burguesa de consumo, que se adverte com seus palhaços, contestadores ou oficialistas? - Não importa que a sociedade como estamento seria dos dois grupos e os tolere igualmente, enquanto a indústria fabrica objetos sofisticados para o uso do punk de salão. Importa é a atitude deles diante da vida. Um finge contestar, outro contesta mesmo. - Contesta em verso, em som, em gesticulação, em aparência. - Mas contesta com convicção, né? Porque os punks malditos sabem que, passada a moda, eles terão de inventar outra forma de lazer que seja protesto, ou outra forma de protesto que seja lazer, ao passo que os ricos não estão ligando para isso, o futuro deles está garantido, na medida em que pode garantir alguma coisa no mercado de vida. Então eu simpatizo com o punk despojado, mau poeta e mau cantor, mas empolgado pela missão que se atribui, de destruir a ordem conservadora por meio da música, do grito, do gesto e do anarquismo primário. - Eles são inocentes, talvez. - E daí? A inocência ainda não chegou a ser crime, embora não esteja muito longe disso. Os punks trazem uma receita de aparência ingênua, mas que tem sentido. Se tudo está errado por aí - e todos nós estamos mais ou menos convencidos disso - uma postura punk, descrente dos métodos e processos consagrados para nos salvar do abismo, tem razão de ser. Os garotos dizem as coisas com franqueza selvagem. A arte deles não é mozartiana ou sequer seresteira de diamantina, mas tem função, explica-se pela circunstância. - Desculpe: são todos uns alienados. - É possivel, mas os alienados do lado de cá, do meu, do seu lado, curtem uma alienação maior ainda, porque reconhecem o erro e nele perseveram, como se não o reconhecessem. O punk pode não ser novidade, e parece que depois do antigo testamento não apareceu nada de novo sob o sol. Mas ele dá um recado. Não é à toa que o punk de verdade tem seus arraiais em São Paulo, onde outro dia aconteceu aquilo que você sabe. A maioria dos rapazes nem mesmo está desempregada, porque ainda não conseguiu emprego. Vestem-se de preto porque a situação deles está preta, a roupa é rasgada porque não há outra. Os versos são detestáveis, porque a vida ficou detestável para o maior número. O som é infernal, porque o inferno está ai. Os punks não pretendem ser simpáticos, eles querem mesmo é gozar da antipatia geral. Estão divididos, eu sei, e não só entre ricos e pobres. Dividem-se entre pobres e pobres, cada grupo achando que o outro grupo está errado, mas na própria variedade de erros está a marca geral deles, um sinal de inconformismo até consigo mesmos. Não há praticamente duas pessoas no país, neste momento, que tenham opiniões concordantes sobre o que é preciso fazer para consertar o torto social. Todos acham que é urgente aquele milagre que não seja milagre falso, mas ninguém conhece a fórmula ou, se conhece, não conta. O punk é mais sério do que ousamos imaginar. Até seu nome impressiona. Que quer dizer punk? "Madeira podre, isca, mecha, fedelho", segundo os dicionários. Não quer dizer nada de unívoco. Pra mim, punk, londrino, quer dizer pum, em português coloquial. E é isso mesmo: um gás importuno, estrondoso, no salão de festa, na rua, no gabinete da autoridade. É um som altamente contestatório das conveniências, preconceitos e idéias congeladas. - João, estou te estranhando! - Eu também estou me estranhando. E estou gostando de me estranhar. Mas sou apenas um observador, desculpe. Como disse, não conclui nada, por enquanto. O que disse são palpites. Talvez eu tenha de descobrir uma velha camiseta rasgada, pregar nela uma estampa de caveira ou de enforcado, e sair por aí, passando para trás roqueiros e newaweiros, e cantando a anarquia como forma de pagamento da dívida externa. Quem sabe? O bom observador tem de infiltrar-se no meio observado e adotar seus códigos.

Crônica de Carlos Drummond de Andrade

sábado, 15 de agosto de 2009

Bronca do Ariel

Ultimamente tem se falado e tocado muito punk rock por aí, e eu fico me perguntando: com que intenção?
A mídia, de modo geral, sempre procurou omitir ou desmoralizar o Punk, como música e movimento. Muita gente falando, muitas opiniões contrárias, várias críticas. Sempre no velho estilo do patrulhamento. Bandas como R.D.P., INOCENTES e outras, falam sobre o punk de maneira preconceituosa, fazendo constantes ataques ao “Movimento SP Punk”, afirmando diversas vezes que o movimento acabou na ponta de uma faca, que não existe mais uma cena, que eles evoluíram para outros estilos etc... Ora, para quem parou de curtir faz tempo, isso até parece coisa de cara frustrado, não é mesmo?
Nós apenas não compartilhamos com puxa sacos que se venderam justamente para pessoas que eles mesmos criticavam. Quando estas mesmas pessoas que nos criticam querem posar de radicais, falam que são ou foram do movimento. Tudo é uma questão de marketing, não é mesmo? Aparecer é o que importa. Aparecer nas casas noturnas da moda, nos lugares chics da cidade e tudo mais para agradar seus “poderosos padrinhos”.
Como todos sabem, o dito rock’n’roll tupiniquim criou certas estruturas e se deixou aniquilar por elas. Sua sede de sucesso nada mais é do que uma postura de degradação e humilhação perante certos tipos. Pensam que são “astros”, mas não passam de uma geração de medíocres. Lembro que há algum tempo atrás esses burguesinhos (Ex: TITÃS) vinham buscar inspiração nos mais básicos, porém, criativos, acordes do punk rock. Ora, se os “astros” da geração de hoje se propõe a fazer o som voltado para o heavy metal, ou um lado mais afro, jamaicano ou coisa parecida, isso não quer dizer que os nossos acordes básicos são puro lixo. Ao optarmos pelo punk, optamos também por um movimento que pelo menos nunca se vendeu por migalhas ou se entregou por merreca para a burguesia. Permanecemos como um tabu para maioria das pessoas. Nós olhamos o mundo com revolta e ódio, mas de cabeça erguida e dispostos sempre a encarar de frente qualquer pessoa que nos olhe nos olhos, coisa que para eles é até difícil. Nosso som representa tudo isso, e se ele é simples e nervoso, é porque ele é nossa própria realidade. Somos músicos que têm uma preocupação fundamental, entre o que fazemos e o que sentimos, por isso temos uma atitude radical quanto à moda, ou seja, não compartilhamos com modismos de espécie alguma, como esses cuzões que insistem em querer aparecer posando de ridículos fantoches do sistema.
Não acredito que alguém seja superior musicalmente a outro quando opta por virtuosismos e poses de um gosto, no mínimo, duvidoso. Quando o punk surgiu, sua intenção era desmascarar certas tendências de estagnação, combatendo-as com criatividade. Existiram e existem excelentes bandas punks que tiveram influências de ótimas bandas do passado, bandas como os STOOGES, de Iggy Pop, ou os radicais do MC5, que nunca foram divertidos, assim como as bandas hardcore “autênticas” também não. E aí também não cabe nenhuma pose e nenhuma superioridade. O importante é que os autênticos não se deixam abalar pela horda de babacas que está invadindo a cena musical atual, patrocinada por medíocres que tentam conseguir sua pseudo-fama às custas de uma autopromoção barata.
Queríamos deixar claro, que se fazemos um som cru e simples, é porque queremos, e se nossa atitude é radical, é porque negamos toda essa farsa que é a música brasileira atual. Vem um cara com um banquinho e um violão e rouba toda a rebeldia que representa o rock and roll. Acabou neles o tesão de subir no palco e ser inesperado, de deixar todos surpresos com alguma coisa, de arrancar reações das pessoas, sejam elas boas ou más. Hoje em dia, eles primam pela técnica e se esqueceram da loucura.
Sobre a violência do nosso movimento, gostaria de lembrar a todos que a sociedade atual é violenta ao extremo, e que apenas nos adaptamos à realidade. Basta ver o número de policiais que estão em cana pelos mais variados crimes que cometeram perante o sistema a que tanto protegem.
Quando falamos em nome do movimento punk, falamos também por todos os explorados que se submetem ao sistema, e que têm medo de protestar. Não temos medo algum, e, aliás, já estamos calejados o bastante para parar. A maioria das pessoas que nos criticam, gostariam de nos verem domesticados e submissos ao esquema que hoje em dia lhes dá oportunidade de sucesso. O que seria esse sucesso? Seria compartilhar com pseudos-intelectuais uma postura burguesa que ficou latente durante tanto tempo em que “protestavam”.
Todos os punks que existem em São Paulo, seja na periferia, subúrbio ou cidade (e não são poucos) ignoram todo esse lixo que sai das bocas desses palhaços, e fica um conselho: Nos esqueçam, pois faz tempo que já esquecemos de vocês. Nosso movimento nivela por baixo, pelos subterrâneos da sociedade. Como ratos, roemos as estruturas do poder, para mais adiante ficar mais fácil quando alguém quiser saber se ele cai.


Ariel – Movimento SP Punk – Vocal dos INVASORES DE CÉREBROS

Fonte: revista Dynamite (junho 1994)

TEMPLO DA CORRUPÇÃO


segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Solidão – a dor que mata

"A dor latente
A dor reprimida
A felicidade fingida
O laço da morte
O corpo suspenso
A notícia se espalha,
O povo se junta
Rumores
O esquecimento no dia seguinte
A eterna indiferença
A paz indesejada
A dor interrompida
Bastou-lhe meio-século de vida..."

Arlindo Cirino

terça-feira, 21 de julho de 2009

Remanso

"Pequena e acanhada
Arrancada do seu berço
Jogada ao relento
À esquerda do velho pai
Pai violentado
Tão festiva quanto decadente
Orgulhosa da própria estupidez
Recorda-me Gregório de Matos – “Triste Bahia!”.
Bahia do lado de cá
Estagnada como o próprio nome sugere,
Culturalmente estagnada
De um sol intenso e de uma fisionomia imutável
Pouco ousada é sua gente
Catolicamente hipócrita
Hipocritamente católica
De uma classe média de novos-ricos, e politicagem oportunista.
Deste filho bastardo receba tão árdua contemplação"


Arlindo Cirino

Provinciano

"Da aridez hostil brotou o cacto
Do cacto hostil brotaram poucas flores
Enfim, fez-se o homem forte.
Forte e curvado
Forte e arrebatado

Mira o futuro,
Mas o futuro se dispersa
Extrai de si mesmo a força que necessita
O pouco lhe basta
O excesso lhe sufoca

De aspecto agressivo
De conteúdo abundante
Criou-se da escassez,
Mas a ela não se conteve
Reciclou o sabugo
“Viajou na maionese”
Rompeu com o sagrado
Libertino libertado

Agridoce na essência
Move-lhe o tesão pelo desafio,
Pelo bizarro,
Pelo belo,
Pelo proibido
Do piegas nasceu o lascivo
Lapidou por si só o que tinha de tosco
Manteve tosco o que tinha de ser

Provinciano atrevido
Provinciano e decadente
Olhou para fora
Quis saber mais
Digeriu o proveitoso
Cuspiu as sobras
Vomitou o que havia sido imposto
Odiou a indiferença,
A hipocrisia repugnante

Sóbrio
Embriagado
Um pouco de Deus
Um tanto de Diabo
Tens o amor
Ama todas as cores,
Todas as formas – cada uma é especial,
Causam diferentes prazeres

Ardeu no ermo
Renasceu
Para si
Para o mundo
Respirou da secura do pó,
E do pó se fertilizou
Deu vida
Espantou a morte"

Arlindo Cirino